Profesor Martti Pärssinen

Martti Pärssinen: A pesquisa da civilização Aquiry revolucionou a compreensão predominante da Amazônia

O pesquisador e antigo diretor do Instituto Ibero-Americano da Finlândia, Martti Pärssinen, tem desempenhado um papel fundamental na pesquisa pioneira brasileiro-finlandesa que descobriu uma antiga civilização chamada Aquiry na região do Acre, no coração da Amazônia brasileira. A civilização Aquiry, que habitou a região entre 700 a.C. e 900 d.C., criou geoglifos com formas quadradas, circulares e formas multilaterais, evidência de uma cultura altamente desenvolvida. Esta pesquisa revolucionou nossa compreensão sobre a história e o presente da Amazônia: a região não estava desabitada, e as primeiras evidências humanas datam de há 10 000 anos. Entrevistamos Martti Pärssinen, que destaca a importância da cooperação multinível e da divulgação de informações para proteger os geoglifos.

“Impossível”, haviam dito ao paleontólogo brasileiro Alceu Ranzi, que afirmava ter encontrado evidências de pegadas humanas no coração da Amazônia. Após as rejeições, Ranzi entrou em contato com o professor Martti Pärssinen, que realizava pesquisas arqueológicas na Bolívia, perto da fronteira com o Brasil.

“Se um professor renomado acredita que é possível, claro que eu acredito e vou ver o que ele tem para mostrar”, lembra Pärssinen.
A cooperação científica brasileiro-finlandesa começou no início dos anos 2000, quando Pärssinen voou para a região do Acre, no Brasil, e confirmou as descobertas de Ranzi: “Vistas do ar, distinguiam-se enormes figuras geométricas e extensas rede rodoviárias.”

Pärssinen lembra que, ao mesmo tempo, o canal de televisão brasileiro Globo, seguindo sua recomendação e a de Ranzi, fez um episódio sobre essas descobertas para o popular programa Fantástico, com mais de 20 milhões de espectadores. A publicidade levou à divulgação de informações e, eventualmente, ao financiamento da pesquisa.

A pesquisa vem sendo realizada há cerca de vinte anos com o apoio do Instituto Ibero-Americano desde o início. O financiamento vem principalmente da Suomen Akatemia (Research Council of Finland), com o apoio adicional da Academia Brasileira de Ciências. A equipe de pesquisa, liderada por Pärssinen e Ranzi, inclui pesquisadores e estudantes finlandeses e brasileiros, destacando-se a professora Pirjo Kristiina Virtanen, a professora associada Sanna Saumaluoma e a falecida professora Denise Schaan. Ao longo desses anos, a pesquisa tem gerado novos especialistas, pois vários estudantes brasileiros completaram seus doutorados. Recentemente, a equipe recebeu a participação de geógrafos e biólogos da Universidade de Turku e de professores e pesquisadores do Maanmittauslaitos (Instituto nacional de geografia), especializados em LiDAR e inteligência artificial relacionada.

Geoglifos e árvores domesticadas: provas das antigas pegadas humanas na Amazônia
Utilizando LiDAR e imagens de satélite, Pärssinen e seus colegas localizaram milhares de geoglifos e extensas redes de caminhos que cobrem mais de 100.000 km² do estado do Acre e seus arredores.

“Essas descobertas mudam completamente a percepção sobre a selva intocada. Estamos longe dos principais rios, no meio da chamada terra firme, uma área onde se pensava que não seria possível desenvolver uma civilização”, destaca Pärssinen.

As pesquisas encontraram abundantes evidências de que a civilização chamada Aquiry floresceu na região do Acre entre os anos 700 a.C. e 900 d.C. Os geoglifos funcionavam como centros cerimoniais para essa civilização e são evidências de uma cultura com impressionantes habilidades manuais e matemáticas. A equipe de pesquisa brasileiro-finlandesa de Pärssinen também localizou árvores domesticadas pelo homem perto dos geoglifos, assim como seus frutos carbonizados nas escavações arqueológicas.

“A civilização Aquiry não surgiu do nada, mas a região foi habitada por muito tempo, durante o qual a floresta foi utilizada, modificada e queimada”, explica Pärssinen.

Essas descobertas arqueológicas de pegadas humanas datam de há 10.000 anos. Segundo Pärssinen, essas informações revolucionaram completamente as concepções dominantes sobre a história da Amazônia e sua população. Ao contrário das crenças anteriores, as pesquisas mostram que a Amazônia não estava desabitada, mas um lar de milhões de pessoas que transformavam a terra sem prejudicar a natureza.

Patrimônio Mundial e seu significado local
Segundo Pärssinen, a pesquisa tem grande significado tanto local quanto internacional: “Na Amazônia, deveriam existir lugares declarados Patrimônios Mundiais, que deveriam ser reconhecidos internacionalmente. As descobertas têm grande valor também para as comunidades indígenas, pois essa informação fortalece sua identidade e seu conhecimento sobre sua própria origem.”

Isso deve ser complementado com a cooperação com outros atores locais:

“Eu sempre enfatizei a necessidade de trabalhar com os grandes proprietários de terras, pois sem a ajuda deles é impossível proteger as áreas.”

Pärssinen explica como, em 2015, durante o mandato do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, os geoglifos foram incluídos na lista de espera para serem declarados Patrimônios Mundiais pela UNESCO. No entanto, durante o governo de Jair Bolsonaro, esse projeto foi interrompido, pois sua administração não valorizava a pesquisa relevante para os povos indígenas.

Outro desafio é a falta de conhecimento. Atualmente, muitos proprietários de terras estão expandindo suas áreas de pastagem e cultivo queimando a selva tropical, ao mesmo tempo em que danificam e eliminam geoglifos históricos para dar espaço ao cultivo de cana-de-açúcar e soja.

“Eles (os proprietários de terras) não sabem que há valas circundantes lá nem o que são. É necessário um grande esforço para que todos os envolvidos tomem consciência dos geoglifos e compreendam a importância de protegê-los. Uma vez alcançada essa conscientização, acredito que a UNESCO também estaria disposta a declarar esses sítios como Patrimônio Mundial”, explica Pärssinen.

A importância da publicidade internacional
Em 2009, foi publicado o primeiro artigo científico em inglês sobre as escavações arqueológicas do Instituto Ibero-Americano da Finlândia, o que levou a uma notável cobertura midiática internacional. A visibilidade da pesquisa também aumentou em 2024 graças à série da Netflix Ancient Apocalypse: The Americas, apresentada por Graham Hancock. Pärssinen considera que a publicidade internacional é importante para a pesquisa sobre as antigas civilizações e seu financiamento.

“A publicidade internacional tem sido um dos aspectos mais positivos para nossa pesquisa. Quando você tem visibilidade internacional, sua pesquisa recebe mais atenção tanto na Finlândia quanto no Brasil.”

Pärssinen conta como, por exemplo, após a publicação da série da Netflix, representantes do estado do Acre começaram a organizar conferências sobre a importância da proteger os lugares, convidando autoridades e proprietários de terras.

“Em geral, a pesquisa tem recebido mais interesse no Brasil do que na Finlândia. A pesquisa tem recebido alguma atenção na Finlândia, mas só depois de se tornar notícia internacional.”

Segundo Pärssinen, o desafio na Finlândia é que os temas relacionados à América Latina estão claramente marginalizados em comparação com a ampla cobertura midiática que recebem, por exemplo, na Espanha.

Por outro lado, Pärssinen conta que o princípio do “estado civilizado” na sociedade finlandesa permitiu que a Finlândia apoiasse ativamente a pesquisa realizada do outro lado do Oceano Atlântico, no Brasil.

“Um dos princípios do estado civilizado é estudar não só a sua própria região, mas também estudar outras regiões, o que permite adquirir conhecimento da realidade global, da história do mundo e compreender que todos fazemos parte do mesmo sistema”, explica Pärssinen.

Gratidão pela cooperação entre Finlândia e Brasil
As pesquisas sobre a Amazônia continuam a avançar, e novos conhecimentos são constantemente gerados. Recentemente, um importante patrocinador científico dos Estados Unidos e a Fundação Factum, com sede em Madrid, começaram a apoiar as pesquisas de Pärssinen e Ranzi. Pärssinen e sua equipe estão preparando uma nova publicação científica, cujos resultados, segundo ele, são “fantásticos”.

“Sou profundamente grato por essa colaboração com nossos colegas brasileiros ter sido tão bem-sucedida. Alceu Ranzi é como um irmão para mim. Sempre chegamos a um consenso claro sobre os objetivos e abordagens da pesquisa.”

Mais informações sobre o estudo estão disponíveis no site do Instituto de Madrid. O libro “Amazônia: Os Geoglifos e a Civilização Aquiry” pode ser descarregado gratuitamente aqui.